Audiência Pública apresenta revista em quadrinhos para enfrentamento à violência contra mulher
Dentro do cenário de uma faculdade, Tina, Rolo, Pipa, o namorado Zecão e outros personagens jovens do cartunista Mauricio de Sousa, assistem a uma aula diferente. No gibi, a professora da história, dona Ruth, explica aos alunos que a violência doméstica vem sendo praticada em vários contextos: dentro e fora da casa da vítima; por familiares e amigos; e por agressor que mantém ou teve relação íntima com a mulher, como marido ou ex-companheiro. A turma também tem exemplos sobre violências mental, física, econômica e sexual contra mulheres, praticadas de diversas formas, com emprego de força física, constrangimento moral ou psicológico, menosprezo, restrição de direitos, abusos como opressão, ameaças, perseguição, hostilidade, intolerância ou dano patrimonial.
Lançada no último mês de março – mês das mulheres –, em nível nacional, pelo Instituto Cultural Mauricio de Sousa em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a revista em quadrinhos Tina – Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi tema de audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (27), na Câmara de Goiânia. O evento, promovido pela vereadora Kátia Maria (PT), contou com representantes de entidades e órgãos ligados ao tema, além de estudantes jovens aprendizes do Círculo de Apoio à Aprendizagem em Goiânia (Camp Goiânia) – o público infanto-juvenil é o principal alvo da cartilha em formato de HQ.
“Esta cartilha ajuda, por meio da conscientização, a reduzir altos índices de violência contra a mulher que observamos nos dias de hoje, fazendo com que mulheres e meninas entendam, de fato, quando estão sendo assediadas, abusadas ou violentadas física, emocional e psicologicamente”, destacou Kátia Maria. Ao reforçar a importância da cartilha, Tatiana Bronzato, defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher, lembrou que o material atinge vários públicos e faixas etárias. “Adolescentes e crianças, que são até mais vulneráveis, pelo parco amadurecimento emocional que têm, podem perceber a existência dessas violências em seus próprios lares e aprender como denunciar e se proteger”, afirmou.
Articulação e integração
Apresentada na audiência, a revistinha tem como objetivo conscientizar crianças e adolescentes sobre a importância do respeito às mulheres e de prevenir a violência doméstica. Personagens conhecidos do universo da Turma da Mônica abordam – com linguagem simples, lúdica, acessível e de fácil compreensão – a temática delicada. A partir da reunião, segundo Kátia Maria, busca-se articulação entre órgãos atuantes na área e integração de políticas públicas relacionadas à questão.
Além de Tatiana Bronzato, representante da Defensoria Pública de Goiás, estiveram presentes Mariana Gidrão, superintendente estadual da Mulher; Maria Yvelônia, secretária municipal de Desenvolvimento Humano e Social; Celione Gouveia, representando a secretária municipal Tatiana Lemos, de Política para as Mulheres; Ana Rita de Castro, do Conselho Estadual da Mulher; comandante Luiza Sol, da Patrulha Mulher + Segura da Guarda Civil Metropolitana (GCM); Fabíola Ariadne e Ana Elisa, representantes, respectivamente, da Comissão da Mulher e de Diversidade da OAB-GO. Também compareceram as professoras Kellen, diretora de Mulheres e Diversidade da Secretaria de Inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Maria Meire de Carvalho, da Comissão Contra o Assédio da UFG.
“Não podemos aceitar que, em pleno século 21, todos os dias, noticiários tragam casos de assédios, agressões, abusos, estupros e feminicídios”, pontuou a vereadora. De acordo com ela, o enfrentamento à violência doméstica é urgente, não apenas por meio de repressão, mas também de políticas públicas integradas de educação, saúde e geração de emprego e renda, para que mulheres vivam de forma digna. “E buscamos o olhar da educação, da conscientização, para levarmos esse debate às unidades de ensino; fazer com que meninos e meninas se respeitem mutuamente e não permitam esses comportamentos, principalmente entre famílias de maior vulnerabilidade”, argumentou. A parlamentar pretende envolver entidades com atuação na área, nas esferas municipal e estadual, para viabilizar parceria e distribuir a cartilha em quadrinhos em toda a rede pública de ensino.
Dados recentes divulgados pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil permanece como uma das nações mais violentas do mundo para mulheres. Estudo apresentado pela Rede de Observatórios da Segurança (de 6 de março de 2023) revela que, em 2022, o Brasil registrou 2.423 casos de violência contra a mulher, sendo que 495 terminaram em morte. Em Goiás, a Secretaria de Segurança Pública mostrou, recentemente, que o feminicídio aumentou pelo quarto ano consecutivo. Em 2022, foram 57 ocorrências – crescimento de 58% em relação a 2018. O levantamento também mostra aumento no crime de estupro – de 278 registrados em 2021 para 322 no ano passado. Com inclusão de outros tipos de violência, como ameaça, lesão corporal e crimes contra a honra, o total de vítimas chega a 38.470.
Papo sério em HQ
A publicação conjunta do Instituto Mauricio de Sousa e do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi lançada – como parte das ações do governo federal no mês da mulher – nos formatos físico e digital. No gibi, a Turma da Tina aborda, com linguagem simples e acessível ao público infanto-juvenil, a igualdade de direitos entre mulheres e homens e como enfrentar violências sofridas por mulheres e meninas na sociedade brasileira. Os desenhos mostram limitações impostas pela violência às mulheres e que o ato de brutalidade pode resultar no crime de feminicídio – previsto, desde 2015, no Código Penal brasileiro, quando uma mulher é assassinada pelo fato de ser mulher.
Os exemplos citados nos quadrinhos têm objetivo de ajudar a sociedade a identificar comportamentos considerados aparentemente corriqueiros e normais, como verdadeiras formas de violência. Outra lição é a do personagem Ivo, que sente ciúme descontrolado da namorada. Ele é aconselhado a procurar ajuda profissional especializada para entender que não existe posse da mulher pelo homem. Ao fim das 20 páginas, Tina, Rolo, Pipa, o namorado Zecão e outros personagens se transformam em agentes multiplicadores de informações sobre paridade de gênero e enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres.
Como buscar ajuda?
Os quadrinhos também informam aos leitores sobre a rede especializada de serviços para atender às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Dona Ruth, professora da história, diz que a melhor forma de ajudar é encaminhar a vítima ao serviço especializado, onde profissionais vão saber como agir nas diferentes situações.
Em muitas cidades brasileiras, a rede de enfrentamento conta com delegacias de polícia especializadas de atendimento à mulher (Deam), Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher e até núcleos da Defensoria Pública.
Outro canal de atendimento destacado nas ilustrações de Maurício de Sousa é o Disque 180, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. A Central de Atendimento à Mulher funciona 24 horas, todos os dias (inclusive feriados), no Brasil e em outros 16 países. Além de informações sobre direitos da mulher, amparo legal e a rede de serviços de atendimento e acolhimento, a central telefônica também constitui canal de denúncia. O serviço registra e analisa relatos de violações contra mulheres, encaminhando-os a órgãos competentes e monitorando o andamento dos processos.
Lei Maria da Penha
Tina, Rolo, Pipa, Zecão e outros personagens dos quadrinhos também conhecem a verdadeira história de Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta da violência contra a mulher. Ela sofreu dupla tentativa de feminicídio pelo ex-marido, Marco Antonio Heredia Viveros. Na primeira vez, em 1983, ele tentou matá-la com um tiro nas costas, que a deixou paraplégica. Quatro meses depois, manteve Maria da Penha em cárcere privado por 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.
O ciclo de violência vivido por Maria da Penha deu origem à Lei 11.340/2006. A legislação leva o nome de Maria da Penha como forma de reparação simbólica, após omissão do Estado brasileiro e a impunidade do agressor. A Lei Maria da Penha estabelece medidas de proteção para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, bem como acesso delas à justiça.
Em 2009, a ativista fundou o Instituto Maria da Penha, com a missão de trabalhar em projetos sociais, pedagógicos e educacionais relacionados ao tema. Com sede em Fortaleza e representação no Recife, o instituto, além de orientação às vítimas, trabalha conscientização e empoderamento feminino, para melhorar qualidade de vida física, emocional e intelectual das mulheres.
(Com informações da Agência Brasil)