Audiência pública debateu possível tombamento de mais de 600 imóveis em Goiânia
A vereadora Sabrina Garcêz (sem partido) realizou uma audiência pública nesta quinta (13) para discutir a edição da Resolução nº 4, de 10 de abril de 2019, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de Goiânia, que inclui cerca de 640 imóveis no inventário de bens de interesse histórico e cultural da cidade, com o objetivo de definir quais deverão ser tombados.
Os moradores foram notificados via carta sobre o tombamento e, com isso, passaram a ter restrições para realizar alterações nas propriedades até que os processos sejam analisados pela equipe técnica da Secretaria Municipal de Cultura (Secult). Os proprietários reclamam que a ação acarreta em diminuição do valor venal dos imóveis e limitações para vendê-los ou reformá-los.
Sabrina apresentou no dia 4 deste mês um decreto legislativo (n° 2/2020) para sustar os efeitos da resolução. Para ela, o ato superou o poder do Executivo de normatizar por fazê-lo sem ouvir a população, sem direito ao contraditório e sem demonstrar claramente as regras do processo. “Nós temos uma grande preocupação com a preservação do patrimônio, mas queremos que isso seja feito dentro de uma política pública completa porque, do modo como foi feito, está sendo impondo o ônus ao particular, tendo que se virar para manter esse patrimônio sem qualquer tipo de incentivo”, disse a vereadora.
A lista final usada pela Secult é resultado de uma ação do Ministério Público, de 2015, e outra da Justiça, de 2013. O levantamento dos imóveis da última foi feito à época pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (SEPLANH) e, a primeira, foi realizada por meio de uma parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Universidade Federal de Goiás (UFG).
A coordenadora técnica do instituto, Beathiz Otto de Santana, explicou que a catalogação dos imóveis fazia parte de um inventário para o conhecimento do acervo de residências com estilos arquitetônicos predominantes entre as década de 1930 e 1980. Para isso, foi feita a capacitação de professores, grupos de pesquisa e estagiários da UFG. “Esse trabalho não tinha o objetivo de criar uma lista para determinar o que era passível ou não de tombamento. A ideia era contribuir com o município na definição de como agir e quais bens seriam protegidos ou não. Essa proteção não necessariamente precisa ser por meio do tombamento. Entendo que haveria outras formas de incentivar a população a proteger e preservar os imóveis.”
“O Iphan defende que esse processo se dê de forma democrática, sempre ouvindo os participantes. Não adianta proteger o imóvel se o proprietário não reconhece o valor cultural associado a ele”, acrescentou Beathiz.
A Prefeitura, representada pela gerente de Patrimônio Artístico e Cultural da Secult, Luana de Araújo Noleto, foi obrigada a cumprir os pedidos de acautelamento dos imóveis que constam na ação civil pública protocolada em agosto do ano passado pelo MP, segundo ela, e tentou ao máximo adiar a execução por meio de recursos judiciais.
“Os processos foram abertos como pedido de tombamento. Não significa que os imóveis estão automaticamente tombados. Esses imóveis ainda vão ser avaliados. Nesse processo, vão ser constatados imóveis descaracterizados e demolidos, pois já se passaram muitos anos desde o levantamento, outros vão ser avaliado como sem interesse, por não terem valor cultural ou histórico”, disse a gerente.
Ela explicou que a equipe é composta por apenas duas arquitetas, que são responsáveis por fazer o trabalho técnico de análise, saindo a campo visitando cada imóvel e verificando se eles condizem com as fotos do processo. Após isso, será criado um relatório e repassado para o conselho municipal, que vai analisar o interesse no tombamento de cada imóvel. Os que não forem classificados, serão arquivados e o acautelamento, findado. Os que forem, passarão por estudo mais aprofundado na Secult para decidir se o imóvel tem de fato relevância histórica.
“O que causou susto aos proprietários foi a notificação. É nossa obrigação comunicar o proprietário quando o processo é aberto, mas ele não significa que o imóvel foi tombado. O tombamento não significa também que não pode vender o imóvel, nem reformar ou dar novos usos”, acrescentou.
Sabrina lembrou que a ação de acautelamento imposta aos imóveis pela resolução já cria restrições aos proprietários. Luana rebateu que as restrições são as mesmas de qualquer imóvel. “Para fazer qualquer modificação em um imóvel, é preciso dar entrada com pedido na Prefeitura, independente de ser tombado ou não. A diferença é que existe uma fase a mais na Secult, onde todos os imóveis tombados passam pela análise do conselho municipal. Lá é apontado o que pode ou não pode ser feito na obra. A palavra acautelamento significa que é um pedido especial, que precisa ser analisado com cautela.”
O advogado que representa os moradores afetados pela ação do MP, Sebastião Ferreira Leite, o Juruna, questionou a falta de participação da sociedade na definição da política pública para a preservação do patrimônio histórico e falta de incentivos. “Quais os benefícios a Prefeitura vai dar a esses proprietários? Quais as contrapartidas vão receber? Não podemos aceitar essa política do Judiciário e do Ministério Público imposta goela abaixo.” Juruna criticou o prejuízo que o acautelamento causa, devido ao tempo que levará para os imóveis serem analisados. Segundo ele, como muitos foram descaracterizados ou demolidos, eles terão seus processos arquivados. Contudo, até lá, a burocracia irá prejudicar os donos desses imóveis.
Carlos Alberto Moura, que é presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Goiânia (Codese), também defendeu a criação de incentivos para os proprietários de imóveis tombados. “O respeito ao patrimônio histórico é fundamental, mas também temos que respeitar o direito à propriedade. Tem que haver uma política que conceda alguns benefícios a essas pessoas, como isenção do IPTU ou do ISS para quem quiser montar algum negócio”, disse ele. “É preciso fazer uma política pública que valorize o patrimônio do centro de Goiânia, que atualmente vive um vazio habitacional e comercial, e que o reocupe, seja estimulando a gastronomia, a cultura ou a moradia.”
O advogado e professor de Direito Administrativo Rafael Arruda deu sugestões de ações para estimular a preservação do patrimônio sem que todo o ônus recaia aos donos dos imóveis. “O Poder Público poderia desapropriar os imóveis com maior restrição imobiliária e das pessoas com menor capacidade econômica de fazer a manutenção necessária, em que seria pago a elas o valor de mercado, ou instituir uma política de compensação financeira aos proprietários afetados, com a criação de um fundo municipal, ou fomentar atividades lucrativas nesses imóveis, com o entrelaçamento de políticas culturais, turísticas, urbanísticas e ambientais, ou isentar totalmente o IPTU.”
Como incentivo aos proprietários, o morador Francisco sugeriu isentá-los do imposto sobre transmissão por herança, já que muitos imóveis fazem parte de inventários e outros estarão em breve nessa situação, pois muitos donos são idosos.
Participaram também da audiência Samaroni Nunes, membro do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de Goiânia, e Uilson Manzan, presidente da Associação Comercial e Industrial do Centro de Goiânia e Adjacências (ACIC). O Ministério Público do Estado de Goiás foi convidado para participar da audiência, mas nenhum representante compareceu.