Audiência pública discute combate ao racismo e desafios para igualdade racial
O vereador Mauro Rubem (PT) realizou, nesta quinta-feira (24), audiência pública sobre o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A data é comemorada em 21 de março. Neste dia, em 1960, na África do Sul, 20 mil negros protestaram contra uma lei que limitava os lugares por onde eles podiam circular. A manifestação era pacífica, mas tropas do Exército atiraram contra a multidão. Sessenta e nove pessoas morreram e outras 186 ficaram feridas, no episódio que ficou conhecido como massacre de Shaperville. Em memória da tragédia, a Organização das Nações Unidas instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
Aberta com apresentação do grupo de dança “Só Angola”, comandado pelo Mestre Vermelho, a audiência teve a participação de estudiosos, autoridades e ativistas do movimento negro em Goiânia. Sonia Cleide, do Grupo de Mulheres Malunga, cobrou respeito à cultura religiosa negra e defendeu o fim da discriminação. “Que nós, negros e negras, possamos andar, ter nossa cultura, nossa religião sem ser afrontado, discriminado. Que nossas casas de terreiro possam cultuar nossos orixás sem que precisemos todos os dias lutar para sobreviver”, cobrou. “Cada dia estamos nos vendo com menos direitos à saúde, à cultura, à religião”, afirmou.
A professora Janira Sodré (IFG/PUC GO e Rede Estadual de Mulheres Negras) ressaltou a importância de se combater diariamente o racismo e afirmou que esse é um debate não só do Brasil, mas internacional. E destacou um aspecto pouco usual no debate racial: o ambiental. Ela lembrou que os 3% do cerrado intactos em Goiás estão em territórios quilombolas. “Hoje [os quilombolas] dão lição de vida, de moral e de como se relacionar com o meio ambiente, com a natureza, de um modo a não destruir a nossa casa comum”, comentou. E esses territórios precisam de proteção do poder público, ressaltou. “Será impossível construir uma Nação democrática, um ambiente democrático onde o racismo seja uma operação livre”, concluiu.
Luciana Oliveira, secretária de Políticas Afirmativas da UFG, falou sobre os avanços promovidos pelo sistema de cotas raciais no acesso à universidade. Ela lembrou que desde 1960, ano de sua criação, a Universidade Federal de Goiás tem a preocupação com a inclusão social nos quadros universitários. “Destaco aqui a criação, neste ano de 2022, da Secretaria de Inclusão da UFG”, ressaltou. “Os objetivos da secretaria são promover o reconhecimento da diferença e da diversidade, realizar a inclusão de segmentos societários historicamente discriminados e promover a igualdade de oportunidades de tratamento por meio de ações e de políticas de inclusão”, explicou.
Em 2018, segundo Luciana, as universidades federais receberam 48,3% de estudantes cotistas. “À luz de uma série histórica, tal incremento mostra como as cotas e as ações afirmativas se tornaram mecanismo concreto, efetivo e exitoso para o ingresso nas universidades”, disse, lembrando que indígenas, quilombolas e surdos também foram beneficiados, promovendo mudanças concretas nas comunidades impactadas.
Representante do Fórum Estadual de Religiões de Matriz Africana, Érica Pereira destacou o crescimento da intolerância religiosa em Goiás. Segundo ela, apenas esse mês houve ao menos cinco casos de depredações de terreiros de candomblé e agressões físicas ou verbais a religiosos de matriz africana. “Se uma criança de tradição de orixá diz que é do axé, a gente sabe das retaliações dos professores, da sala de aula, do clima de horror que é uma criança estudar numa escola pública”, reforçou, afirmando que existem muitos relatos de meninos e meninas que chegam a abandonar a escola devido à discriminação.
Segundo Érica, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Ela cobrou garantias do poder público para a segurança dos praticantes das religiões de matriz africana e, especialmente, para a efetivação do estado laico.
Iara Célia Leal, do Conselho Municipal de Igualdade Racial, destacou que o papel da entidade é implementar em Goiânia políticas públicas que promovam o fim da discriminação. Ela ressaltou que um dos desafios é fazer com que as pessoas se reconheçam como racistas. “É importante que nós que estamos ligados a órgãos, entidades e empresas que trabalham com igualdade racial levemos às pessoas o conhecimento sobre o que é o racismo, para que elas possam se reconhecer e, se reconhecendo, dêem uma guinada, uma mudança de atitude. E essa ação se inicia na escola. Nós precisamos trabalhar com as crianças na primeira infância porque, a partir daí, teremos adultos que não serão racistas. Identificar o racismo é necessário, mas não ser racista é mais do que necessário.”
Gerente de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Combate ao Preconceito, Evelin Geordana lembrou que o primeiro passo para combater o racismo é reconhecer que ele existe e isso vem sendo feito pelo governo estadual. A primeira ação foi mapear onde estão as comunidades tradicionais para que políticas públicas afirmativas possam ser implementadas.
Em agosto de 2021, lembrou Evelin, o governo criou o Grupo Especializado no Atendimento a Vítimas de Crimes de Racismo e Delitos de Intolerância na polícia civil para centralizar o recebimento de denúncias. Ela também lembrou que a Secretaria de Estado da Educação, em cumprimento da legislação federal, está implementando o ensino de história e cultura afrobrasileira e indígena no currículo escolar.
Em participação virtual, Dilmo Luiz Vieira, assessor especial da Superintendência Municipal de Igualdade Racial de Goiânia, falou sobre os desafios para promover a igualdade racial. “A política de formação continuada de gestores é um deles”, lembrou. Para Dilmo, é importante que o poder público dê continuidade às ações implantadas, independentemente de quem ocupa os cargos de gestão.
Também em participação remota, Carolina Dias, conhecida como Carol de Oxum, da Coordenadoria de Igualdade Racial de Aparecida de Goiânia, foi mais uma a denunciar ataques a terreiros e o impacto que as agressões provocam na comunidade. “Além do pânico, causa uma sequela muito grande, física e mental”, disse. “Os agressores marginalizam, criminalizam e sufocam aquela comunidade de todas as formas, até mesmo na questão territorial, o que chamamos de racismo ambiental”, explicou. “Não podemos ficar migrando de um lugar para outro”, afirmou.
Para o vereador Mauro Rubem, a Câmara deve contribuir com o combate do racismo estrutural. “Temos que pensar no bloqueio antirracista nesses locais. Toda violência tem que ser reprimida e contundentemente denunciada, com a presença do aparelho de estado”, disse. Um dos compromissos assumidos foi articular recursos para o segmento durante a discussão do orçamento municipal. “Precisamos cobrar institucionalmente”, afirmou.
Mauro encerrou a audiência lembrando que “a grande educação é a prática. Então, temos que praticar a quebra do racismo”.