Em audiência pública, Câmara discute depressão e prevenção ao suicídio entre crianças e adolescentes
A Câmara de Goiânia discutiu, na tarde desta quarta-feira (4), iniciativas de conscientização sobre depressão, prevenção e combate ao suicídio, além da importância de atenção à saúde mental, principalmente entre o público infanto-juvenil. O evento foi promovido pelo vereador Isaías Ribeiro (Republicanos), autor de matéria que instituiu campanha permanente de conscientização da depressão infantil e na adolescência e de prevenção à automutilação e ao suicídio. O projeto, aprovado em setembro de 2021 e sancionado pelo Executivo, tornou-se lei municipal. A campanha deve ocorrer, anualmente, na primeira semana de outubro.
“São muitos os pais que têm enfrentado esse tipo de problema dentro de casa, e, às vezes, por não entender a situação, acabam por não procurar ajuda adequada”, argumentou Isaías Ribeiro. “A saúde mental precisa ser amplamente debatida. É um problema recorrente na nossa sociedade”, acrescentou. Na avaliação do parlamentar, é urgente a implementação de políticas públicas que levem informações à população, para que famílias e cidadãos consigam identificar e buscar o tratamento precoce da depressão, buscando reduzir e evitar consequências mais graves da doença.
Do debate realizado nesta quarta-feira, no Plenário, participaram profissionais de saúde e da assistência social, pesquisadores, representantes de projetos sociais e adolescentes atendidos. A titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), Maria Yvelônia, também registrou presença, assim como jovens aprendizes da Câmara.
Depoimentos
Durante a audiência pública, os convidados foram unânimes ao apontar que a depressão não escolhe sexo, idade ou classe social. Os debatedores também concordaram que a doença, além de prejudicar o crescimento social e cognitivo da criança e do adolescente, afeta relações familiares. De acordo com os especialistas, o diagnóstico tardio pode levar a consequências irreparáveis, principalmente entre aqueles que promovem automutilação e tentativa de suicídio. Conforme alertaram, a depressão, se não tratada, pode levar a fatores de risco, como uso excessivo de álcool, consumo de drogas, automutilação e ideação suicida. Já o tratamento exige equipe multidisciplinar, composta por clínico geral, psiquiatra, neuropediatra ou neurologista, psicólogo, psicopedagogo e preparador físico.
Coordenador do Projeto Help, João Rodrigues, falou sobre a ação de distribuir cartas com mensagens motivacionais em pontos estratégicos da cidade – como viadutos, praças e parques. Nelas, também está o contato de WhatsApp para que aqueles em aflição busquem ajuda e sejam atendidos. Foi o caso de uma jovem, presente ao evento, que deu seu testemunho. Após automutilações e tentativa de suicídio, ela afirmou ter encontrado apoio no grupo, que não a “julgou”. O Projeto Help também realiza palestras em escolas, faculdades e empresas. Ao fim dos encontros, jovens são aconselhados individualmente. “Quando esse tema é abordado, discutido, nós conseguimos alcançar essas pessoas e minimizar a sua dor”, destacou o coordenador.
Danielle Assis Borges Fantini, jornalista, neuropedagoga e autora de livro sobre o tema, relatou ter tido depressão pós-parto e durante a pandemia. Em seu depoimento, ela relacionou diversos sintomas da doença e contou não ter buscado tratamento porque não sabia “exatamente” o problema que tinha. Dessa forma, não recebeu orientação. “Meu quadro foi se agravando até caminhar para uma depressão grave, que é persistente, ou seja, dura mais de dois anos. Cheguei ao ponto de perder minhas funções cognitivas por seis meses, o que afetou minha capacidade de atenção, memória, raciocínio e diálogo. Nesse ponto, fui atendida por profissionais da área e comecei, enfim, o tratamento da depressão”, pontuou. Danielle transformou a experiência pessoal em livro.
Números e pesquisas recentes
Depressão, ansiedade e distúrbios comportamentais são algumas das principais causas de doenças e de incapacidades entre adolescentes. Em todo o mundo, um em cada sete jovens de 10 a 19 anos enfrenta transtorno mental, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A falta de atenção e de cuidado com condições mentais, nessa faixa etária, pode levar a prejuízos futuros, incluindo limitações a uma vida plena.
De acordo com a OMS, a qualidade do ambiente onde crianças e adolescentes crescem determina seu bem-estar e desenvolvimento. Além disso, experiências negativas precoces em casa, no ambiente escolar ou em espaços digitais – como exposição à violência, bullying e pobreza – aumentam risco de transtornos mentais.
Depressão e ansiedade representam distúrbios emocionais comuns na adolescência. Transtornos de ansiedade, especificamente, prevalecem entre adolescentes mais velhos – 4,6% dos jovens de 15 a 19 anos sofram do distúrbio, conforme estimativa.
Já a depressão afeta cerca de 1,1% de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos e 2,8% daqueles entre 15 e 19 anos. Depressão e ansiedade compartilham sintomas, incluindo mudanças rápidas e inesperadas de humor, que podem ser confundidos com comportamentos comuns dessa fase da vida.
No entanto, diferentemente de reações típicas da idade, ansiedade e transtornos depressivos podem afetar profundamente atividade escolar, relacionamentos e convívio familiar. Médicos relatam falta de confiança em sua capacidade de cuidar de adolescentes com depressão. Nesse contexto, pesquisadores do Canadá realizaram estudo de revisão sobre diagnóstico e cuidado da depressão na adolescência.
Pandemia
Segundo a pesquisa, a prevalência de depressão entre adolescentes aumenta com a idade. Antes da pandemia de Covid-19, a prevalência de transtorno depressivo maior entre adolescentes era de cerca de 13% a 15%. Análise recente apontou que cerca de um em cada quatro jovens apresentou sintomas depressivos clinicamente significativos durante a pandemia, com taxas mais altas associadas à idade avançada e ao sexo feminino.
O início da depressão antes da idade adulta está associado a maior gravidade da doença nessa fase da vida, com mais episódios depressivos, mais internações hospitalares e maior risco de autoagressão e de suicídio. Esses fatores resultam de piora na saúde física (incluindo obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares) e em relações sociais e ocupacionais.
Transtornos depressivos decorrem de fatores genéticos, ambientais e do próprio organismo de cada pessoa. Familiares de primeiro grau de indivíduos com transtorno depressivo têm risco duas a quatro vezes mais elevado de desenvolver a doença, em comparação com o restante da população, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
No contexto ambiental, consideram-se experiências adversas na infância como fator de risco em potencial. Experiências negativas de afeto também aumentam probabilidade de episódios depressivos. Estigma e experiências de bullying têm sido associados ao aumento nas taxas de depressão entre adolescentes LGBTQIA+. Dados dos Estados Unidos sugerem que a interseccionalidade entre raça e gênero exacerba a depressão.
Sinais de alerta
– Desesperança, tristeza, pesar;
– Dificuldade cognitiva (atenção, concentração, memorização, raciocínio);
– Angústia, medo, pensamento acelerado, ansiedade;
– Pessimismo obsessivo, choro fácil;
– Sensação de impotência e de incapacidade;
– Isolamento, apatia;
– Baixa autoestima;
– Perda de interesse em atividades;
– Mudanças no apetite e no sono;
– Dores físicas, sensibilidade com luz ou com sons;
– Ideia de suicídio ou pensamento de tragédia ou de morte;
– Sensação frequente de cansaço ou perda de energia;
– Irritabilidade, agressividade.
(Fontes: Depressão na infância e adolescência, documento científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); Diagnosis and management of depression in adolescents, da Canadian Medical Association Journal)