Violência em casa contra crianças e adolescentes é tema de audiência pública
O vereador Fabrício Rosa (PT) presidiu audiência pública, nesta quarta-feira (27), na Câmara de Goiânia, para tratar da violência contra crianças e adolescentes praticada como forma de castigo. O evento ocorreu em lembrança aos dez anos da Lei Menino Bernardo (Lei Federal 13.010/2014).
O nome da lei é uma homenagem ao caso de Bernardo Boldrini, menino de 11 anos assassinado por superdosagem de medicamentos, em abril de 2014, na cidade de Três Passos (RS). Os acusados do crime, pai e madrasta do menino e dois amigos do casal, foram condenados à prisão em março de 2019. Segundo investigações da polícia, Bernardo era vítima constante de tratamentos cruéis e degradantes por parte do pai e da madrasta e já havia procurado ajuda para denunciar ameaças que sofria.
Além de tipificar como crime castigos físicos aplicados às crianças e adolescentes, a Lei Menino Bernardo estabelece medidas de prevenção e ações a serem adotadas após denúncia, entre elas a comunicação ao Conselho Tutelar.
A lei alterou artigos e parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/1990) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9.394/1996), explicou a articuladora da Rede "Não Bata, Eduque", Márcia Oliveira, que participou de forma remota. Ela destacou medidas de prevenção introduzidas pela lei, como promoção de campanhas, integração de órgão públicos, formação continuada de profissionais, incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos e promoção de ações junto aos pais e responsáveis sobre alternativas aos castigos físicos.
A Rede "Não Bata, Eduque" foi criada em 2006, no Rio de Janeiro, em parceria entre organizações da sociedade civil e a Fundação Xuxa Meneghel, com missão de desnaturalizar a prática de castigos físicos e humilhantes como forma de educar e cuidar de crianças e adolescentes nos meios familiar, escolar e comunitário, nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias sociais. Em 2007, a Rede recebeu novos parceiros e foi lançada a Campanha Nacional "Não Bata, Eduque", com objetivo de desenvolver ações de mobilização social para promover reflexão sobre o uso de castigos físicos e humilhantes e para propor alternativas positivas de educação.
Para a psicóloga e psicanalista Simone dos Santos Abadia, servidora pública da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, não é justificável utilizar castigos físicos e humilhantes como conduta de educação infantil. “Infelizmente, viemos de uma sociedade patriarcal, de controle, em que ainda se vê crianças e adolescentes como objetos. Por consequência, eles não são vistos como sujeitos de direitos”, afirmou.
Simone Abadia defende ainda o cuidado de crianças e adolescentes como responsabilidade de toda a comunidade, não apenas da família. “Nós, como rede de proteção às crianças e adolescentes, podemos contribuir para a educação sem violência, agindo na prevenção, atuando junto às famílias em práticas parentais positivas, sem punitivismo. A responsabilização é importante, mas ela tem que ocorrer em outras esferas que estão além da assistência; por isso trabalhar em rede é fundamental. Muitas vezes, as famílias têm um histórico social de violência, que é estimulada e perpetualizada. É preciso auxiliá-las a romperem com esse comportamento dentro de suas casas”, disse.
A médica pediatra Adriana Crispim Brito trabalha na Secretaria Municipal de Saúde, atuando na vigilância da violência em Goiânia. Ela apresentou dados, referentes ao período de 2014 a 2023, que apontam familiares do sexo masculino como principais autores de agressões contra crianças, contra pessoas do sexo feminino de zero a 19 anos e, a partir da pandemia, contra adolescentes. De 2018 em diante, a residência da vítima passou a ser o principal local de prática da violência.
“Em todos os anos, hospitais estaduais registraram a maior parte dos casos de violência, geralmente classificados como graves. Contudo, em 2023, com o trabalho da nossa rede de proteção, o maior notificador foi a Secretaria Municipal de Saúde, onde são registradas notificações das escolas. Dessa forma, conseguiu-se detectar a violência sem gravidade física graças ao trabalho em rede”, explicou Adriana Brito.